Era
uma sexta-feira à noite, estávamos parados de lados opostos da calçada
esperando o regresso de um casal amigo nosso, o silêncio já estava tornando-se
constrangedor. Ele repara pela primeira vez que meu cabelo está muito diferente
desde a última vez que nós nos vimos, faz uma comparação saudosista, ainda que
tímida, de quando eu estava com ele todo bagunçado em uma apresentação da
escola.
Por
todo o caminho no carro, trocamos apenas amenidades, falamos da dificuldade de
nos tornarmos adultos, relembramos apenas situações não muito profundas, tudo
muito casual e raso.
Então
ele se senta estrategicamente perto o suficiente para que pequenos toques
aconteçam. Assistimos o casal da mesa brigar por pequenas coisas e, entre
minhas risadas, encontro o olhar dele e lhe pergunto implicitamente se teríamos
acabado assim, então ganho como retorno um daqueles sorrisos enigmáticos que
mais me enchem de perguntas do que me dão uma resposta.
A
conversa de bar acaba virando o nosso típico “café filosófico” e, enquanto
debatemos fervorosamente as nossas ideologias à mesa, ele se mantém quieto com
aquela indiferença levemente falsificada.
Quando
a banda começa a tocar, ele me escuta gritar as músicas como nunca vira antes.
É difícil ver em mim a garota que eu era aos dezessete, aquela que está na
frente dele é alguém que está sentindo o calor do momento, cantando, dançando,
vivendo. Vejo quando ele desvia o olhar, claramente envergonhado por ter sido
pego espiando aquele novo pedaço da minha vida.
Naquela
noite, eu queria ter dado a ele uma chance. Depois de tantos relacionamentos
errados, parecia ideal alguém que me fizesse sentir desejada. E quando a banda
anuncia a nossa música não consigo deixar de olhar para trás e encontrar o
olhar dele, e dessa vez, eu entendo a pergunta que está ali. Quando ele passa
os dedos pelo cabelo loiro e suspira para o teto, eu também entendo que o
passado talvez não devesse ter sido reaberto.
No
caminho de casa, nos evitamos mutuamente no banco traseiro, encostamos a cabeça
cada um em sua janela e ficamos submersos em nossos pensamentos, considerando e
repassando tudo o que poderia ter sido e o que deveria ter sido.
Quando
estacionamos na porta da sua casa, ele sai do carro sem coragem de me olhar nos
olhos, digo um “boa noite” educado, e com tristeza percebo que estamos com o
coração partido mais uma vez.
Comentários
E eu que morria internamente de ciúmes ao perceber que outros ocupavam meu lugar, tal qual, eu mesma, com o tempo, sem perceber, deixei vago.
Lembro-me da última vez que estive em sua casa, ainda ludibriada por algo que não existia mais, como uma casca oca. Depois de algumas conversas vazias, reparei que já éramos como estranhas. E aquilo doeu-me o peito.
Para sanar a dor, resolvi cortar o cordão umbilical, como um choque de realidade. E eu estive depois tantas vezes em Londrina e Ibiporã...
Agorá cá estamos nós, tão mudadas, tão iguais. Tão cada uma no seu caminho, o qual traça percursos tão diferentes, moldando e evidenciando ainda mais nossas personalidades.
A propósito, contrariando seu professor de redação, você escreve muito bem sim.
Só para constar, você será sempre bem-vinda em casa para tomar um café e jogar conversa fora, quando retornar ao Brasil.
Ficou tão bem escrito que eu estava dentro da história, vivendo o momento com o ex-casal e fiquei triste quando um recomeço não foi possível. Eu sempre torço por finais felizes, mas entendo que nem sempre é possível.
Beijos.
http://livrosleituraseafins.blogspot.com.br/
petalasdeliberdade.blogspot.com